Boas novas do além
# Contos

Compadre Zé, um típico caipira do interior de Minas, acabara de acordar da sua morte. Ainda meio sonolento e com a cabeça com características de uma ressaca daquelas, abre os olhos depois de uma luz branca ofuscar as suas vistas.
- Meu Deus do céu!!!! É ocê, cumpadi Chico?? Tú virou fantasma e veio me assombrar por causa daquelas duas galinhas que te peguei emprestado e...
- Meu querido, Zé!!! Que bom encontrá-lo por aqui no nosso plano espiritual. Fiz questão de recebê-lo na sua chegada.
- Como assim, minha chegada (indagava um Zé confuso das idéias)? Que diabo de plano é esse? Oncôtô??
- Meu querido amigo!! Você teve a sua missão terminada e veio para o nosso plano espiritual para nos ajudar a continuar a jornada.
- Mas que troço de jornada?? Eu não posso ter batido as botas. Logo agora que a minha roça tava começando a dar comida.
- Temo a dizer que a sua roça foi castigada por uma inundação e foi completamente destruída pelas forças da natureza.
- Minha nóóó, num pode ser. Tava começando a sair mio, mandioca... Mas eu não posso ter esticado as canelas. Tenho um monte de gente que preciso pagar.
- A propósito, uma dessas pessoas que você devia foi um dos que encaminharam a sua vinda com mais rapidez para o andar de cima, informou Chico com aquela sobriedade espiritual.
- Quê?? Armaria!!! Causdiquê??
- Pedro Caolho pegou você numa ruela escura depois de cobrar a sua dívida por mais de 2 anos.
- Disgramô foi tudo !! Eu já tava com o dinheiro todo contado para pagar aquele cigano.
- Não foi bem isso que você disse quando acordou naquele dia. Você acabara de pendurar mais uma conta na venda de D. Zefa na noite anterior. Foi a 156º desde que você começou a tomar pinga.
- Vixe. Ocê virou matemático agora? Num sabia nem fazer um “O” com o copo e agora fica todo metido aí. Num credito nesstrem que empacotei... O país tava miorando.
- Esse é um outro ponto que preciso também te esclarecer. Desde que você fechou seus olhos pela última vez já se passaram alguns anos e ...
- Agora só falta essa... vai dizer que vortou inflação, tá todo mundo desempregado.
- É por aí mesmo, fraterno amigo Zé.
- E causdiquê tá falando com esse jeito de padre, cumpadi Chico? Padre só tem um e que era o mió de toda a redondeza. Dêsbensoi a Padre Lunga.
- Ele largou a batina depois de ter sido acusado por todo o clero de usar o dinheiro da doação para comprar remédio e alimento aos mais necessitados ao invés de mandar dinheiro para o Bispo.
- Êita, ferro!! Padre Lunga num podia mexer no dinheiro do Bispo. Pãnha aí pra mim uma branquinha daquelas pra nóis tomar causadiquê as notícias tão braba.
- Aqui só temos água, verdadeiro líquido universal.
- Tô lascado!!!
- Sim, e o seu fígado também estava. Aliás, o que restou depois de uma cirrose aguda.
- Vixe. Casdisso a Jurema falava todo dia pra parar a pinga. E ela? Num guenta de tristeza?
- Nem foi para o seu enterro. Ficou louca após descobrir que você tinha 6 filhos com mais 3 famílias na rua.
- GendeDeus!!! Vai guardar raiva pro resto da vida. E Zezinho e Janjão? Meusfii tão triste demais, né?
- Muito. Somente o novo namorado deles para consolar toda a tristeza, fraterno irmão.
- Eita, ferro!!! Ocê ta dizendo que os meninos tão queimando a rosca???
- Veja bem, sublime amigo...
- PÁRA de falar desse jeito!! Nundô conta desstrem...
Os dois ficam em silêncio por 2 minutos e Compadre Zé finaliza:
- Pass pacá esse plano que vou ficar por aqui e ajudá nesstar de jornada.
-
Renato Gueudeville é empresário, louco por futebol, otimista (até que a última luz se apague), fundador e blogueiro do Contextual.