It's only rock and roll

- Pai, me empresta seu cartão de crédito? Quero baixar umas músicas do Luan Santana e do Jorge e Mateus.
- Puta que pariu!!!
O palavrão veio do fundo da alma de Paulo João. Depois vieram o frio na barriga e a sensação de tristeza profunda. Não estava pronto para aquele pedido!
Num curto espaço de tempo logo após o final da frase de seu filho, ele viu o filme de sua vida passar na frente.
Lembrou de quando bem antes de se tornar pai comprava os discos do Raul, da Legião, dos Titãs, do Nirvana e se imaginava um dia presenteando seu filho com estes tesouros. E como tinha ido a um show do Ira em São Paulo e guardado o ingresso para o filho que viria a ter um dia. Rock era sua paixão, sua vida.
Pensou de como durante a gravidez ficava tocando no violão Wish You Were Here do Pink Floyd perto da barriga de sua esposa. E como escolheu o nome de seu filho, Raul Renato, em homenagem aos seus maiores ídolos, seguindo a tradição de seu pai que escolheu seu nome em referência aos Beatles.
Quando Raul Renato ainda era um bebê, ele o colocava para dormir cantando Let It Be ou Yesterday. Adorava quando o menino pedia para repetir inúmeras vezes Al Capone ou Índios! E as viagens de carro juntos ao som de Metallica, Dire Straits e Queen? Tinha decorado o quarto do seu guri com antigos cartazes de Hendrix tocando em Woodstock.
Aquela simples frase frustrou todos os seus planos. Aos 12 anos o garoto, até então não se interessava muito por música, e isso já incomodava bastante Paulo João. Mas agora era tudo diferente, aquilo foi uma facada! Uma bala perdida que ele não sabia de onde tinha vindo!
O que faria? E seus projetos futuros? Os festivais e shows que sonhou em ir junto com o filho? Os acampamentos em que tocariam só os clássicos do rock? E as listas de música que vinha preparando há muito tempo, tendo o trabalho de separá-las por época e subgênero do rock? Tudo isso trocado de uma hora para outra por algo que ele nem considerava digno de ser chamado de música. Se ainda fosse MPB...
Olhou para o menino que aguardava ansioso pela resposta, mesmo após sua explosão de surpresa e raiva. Talvez não fosse tão ruim, uma fase passageira possivelmente. Quem sabe dali a algum tempo não estariam escutando juntos Iron Maiden, Rolling Stones ou Red Hot? Tinha certeza que tinha feito um trabalho de educação musical bem feito e não iria ser desapontado. Decidiu que seria melhor não contrariá-lo naquele momento e ceder ao pedido. Respirou fundo, buscando se acalmar e respondeu resignado.
- Tudo bem. Pode comprar...
- Valeu
- Por nada, não é o que você quer?
- Claro
- Ótimo então!
- Ah pai! Tem mais uma coisa que queria pedir...
- Sim...
- Sabe aqueles discos de vinil encaixotados no quarto dos fundos?
- Sei, claro!!! Tem Elvis, Janis Joplin, Camisa de Vênus, Black Sabath, AC/DC, e mais um monte de antiguidades. Você quer ouvi-los agora?
- Esses mesmo. Então, queria vender eles para ir ao Festival de Verão em Salvador assistir aos shows da Claudia Leite, do Pablo e do Michel Teló. Posso???
Horas depois os vizinhos ainda não conseguiam descrever direito o grito alto e agudo que precedeu o infarto fulminante!
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Marcelo Brandão, empresário e sócio minoritário do Governo, não acredita mais no Brasil mas escreve com esperança de mudar alguma coisa, fundador e blogueiro Contextual.